Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, EUA, 2011)

Freud dizia que “o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que os une”. Ao invés de uma temporalidade contínua – passado, em seguida o presente e posteriormente o futuro – temos uma descontinuidade, ou seja, uma situação motivadora que despertou o desejo no presente retrocede a uma experiência anterior do passado, onde esse desejo fora realizado, criando uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo. E assim viajamos no tempo! Disso, podemos concluir que sem desejo não há futuro.
Em “Meia-noite em Paris”, Woody Allen leva a idéia de viagem no tempo às últimas conseqüências! Ele nos conta a história de um roteirista, Gil Pender (na interpretação irretocável de Owen Wilson), que está disposto a largar tudo (leia-se a vida segura e acomodada de roteirista de sucesso em Hollywood) para realizar seu grande sonho: escrever um romance em Paris.
Em seu caminho, Gil encontra alguns de seus heróis das artes: Scott Fitzgerald, em sua problemática parceria amorosa e artística com Zelda Fitzgerald; Cole Porter e sua música encantadora; Ernest Hemingway de um jeito que faz crer no que Gertrude Stein afirmou sobre ele: “Mas que grande livro daria a verdadeira história de Hemingway, não as que ele escreve, mas as confissões do verdadeiro Ernest Hemingway”; Salvador Dalí, numa interpretação impagável de Adrien Brody; Luis Buñuel – numa bela composição de personagem por Adrien de Van, apresentando o olhar de assombro diante do mundo daquele jovem cineasta, como podemos observar na cena em que questiona Gil a propósito de sua sugestão para filmar aquele que seria O Anjo Exterminador.
Temos ainda, Gertrud Stein (vivida de forma cuidadosa e doce por Kathy Bates), como catalisadora de toda aquela efervescência criativa. Caberá a ela ser a primeira leitora do romance de Gil, tanto o livro quanto a relação amorosa. Pablo Picasso também aparece, de forma passional. A lista inclui ainda: Henri Matisse, Man Ray, Joséphine Baker, Paul Gauguin, T.S. Eliot, Henri de Toulouse-Lautrec.
Na primeira volta ao passado de seus sonhos, Gil entra numa festa, acompanhado pelo casal Fitzgerald, e encontra Cole Porter ao piano tocando Let’s do It. Simplesmente lindo! Dá para se sentir fazendo parte daquele "sonho"! A música de Cole Porter será o fio condutor capaz de fazer Gil reencontrar seu presente: a possibilidade de amar, através do encontro com uma moça que trabalhava em uma loja de antiguidades. O passado aparece nos mínimos detalhes, fica por ali, rondando e encantando Gil.
Hemingway fala para Gil que, para amar e escrever, é preciso não ter medo da morte. Ao final, ele não só escreve o romance, como consegue viver um romance. Ele já não tinha mais tanto medo da morte, ou dito de outra forma, não tinha medo de seu desejo, de mudar e iniciar uma nova vida, mais condizente com seu desejo, em outro lugar. Assim, Gil pode finalmente vislumbrar o futuro. Final feliz, tempo bom com céu azul? Não, sujeito a chuvas e trovoadas! Todavia, Gil pode se arriscar na chuva e sentir a beleza que também há nela.
Você, leitor, gostaria de ter vivido nesta época? Não se preocupe, ainda é possível conhecer todos esses incríveis artistas. Eles, através de sua obra, são imortais! Para quem ficou com um gostinho de quero mais, recomendo a leitura de Autobiografia de Alice B. Toklas de Gertrude Stein, onde ela nos convida a entrar em sua casa na Rue de Fleurus nº 27 Paris, ponto de encontro com Hemingway, Fitzgerald, Ezra Pound, Jean Cocteau, Juan Gris, Picasso e Matisse, entre outros.