Conheci a história real de Christopher McCandless através do livro Na Natureza Selvagem que deu origem ao filme de mesmo nome. Fiquei encantada por aquele jovem! Isso foi em 1997 e na época pensei que, se fosse cineasta, filmaria essa história. Dez anos depois, eis que Sean Penn, com delicadeza e sensibilidade, a leva para as telas do cinema. Chris, como era chamado por seus familiares, abandona seu nome e a vida confortável e segura da classe média americana, após ter terminado a faculdade, e segue em busca de um sonho: atravessar a natureza selvagem. É a jornada do herói!
A emocionante trilha sonora e as belas imagens do Alasca dão ainda mais vida a uma história cujo fim mortífero só ratifica o cruzamento íntimo entre vida e morte, já que ele encontrou a morte, mas estava em busca da vida, querendo chegar, como James Joyce (um de seus heróis literários), “perto do coração selvagem da vida”. Na contingência de um encontro ele é capaz de afetar e ser afetado pelas pessoas que descobre em seu caminho. Embora esteja só no meio de muitos, é necessário se afastar, se descontaminar da forte presença do outro e ir para o desértico Alasca, para se dar conta da importância desses encontros. “Para não mais ser envenenado pela civilização, ele foge e caminha sozinho sobre a terra para perder-se na natureza”, escreve Chris – agora assumindo o codinome Alexander Supertramp (algo como "super vagabundo", o que sugere errância) – numa folha de compensado que tapava uma janela do ônibus que lhe serviu de abrigo no Alasca.
A aventura no Alasca fora inspirada em grandes escritores, especialmente Leon Tolstói, Henry David Thoreau e Jack London, que enfrentaram a natureza selvagem, sobretudo encararam sua própria ilha, ao olhar para dentro de si mesmo. Porém, para Chris, a literatura era mais do que uma simples leitura, era a própria vida, era uma espécie de “manual de sobrevivência na selva". Ele queria experimentar, no real, aquilo que lia e por isso decide realizar a grande aventura no Alasca, caminhando para dentro da natureza selvagem.
Sua jornada é marcada por vários encontros, pessoas que tiveram suas vidas transformadas por sua presença. Embora, possa parecer, à primeira vista, que o jovem queria a todo custo se livrar da civilização, especialmente das pessoas, não é isso que ocorre. Muito pelo contrário, ele demonstra ter um interesse genuíno pelas pessoas. Só não consegue chegar muito perto, quando isso acontece, ele rompe e afasta-se. Ao final do filme é tocado um trecho da bela música "Guaranteed" de Eddie Vedder que poderia ter sido cantada pelo protagonista: "Don't come closer or I'll have to go (...) Consider me a satellite, forever orbiting. I knew all the rules, but the rules did not know me”[1]. Para Chris, o laço social constituía uma experiência dolorosa. Tanto quanto àquela do famoso símile schoppenhauriano dos porcos-espinhos citado por Freud em “Psicologia de Grupo e a análise do Ego”, na qual um grupo de porcos-espinhos para não morrerem de frio se alinham. Unindo-se seus espinhos os machucavam, por isso não podiam ficar perto uns dos outros. Porém, aos se afastarem, voltavam ao problema inicial e precisavam de calor. Daí fizeram um movimento de ir e voltar até conseguir um ponto de equilíbrio necessário para conviverem.Ao final de sua jornada, o jovem escreve destacadamente: Felicidade só real quando compartilhada. Essa é a frase fica rolando durante muito tempo na cabeça do espectador que, incrédulo, vê o jovem fazer sua derradeira viagem. Há um paradoxo aí, uma vez que a felicidade para ser real exige o compartilhamento com o outro e isso causa mal-estar. Ao romper o laço social, Christopher faz uma separação em ato, total, fica sozinho na natureza selvagem do Alasca e assim como os porcos-espinhos ao se afastarem demais dos outros, também morre. Apesar de se dar conta de que precisava voltar, isto já não era mais possível. Era necessário que encontrasse uma distância intermediária, nem tão perto, nem tão longe, entre ele e as pessoas ao seu redor para poder viver de forma prazeirosa. Eis a árdua tarefa que um encontro com suas infinitas possibilidades nos coloca diariamente!
[1] “Não se aproxime ou terei que ir. (...) Considere-me um satélite, sempre orbitando. Eu conheço todas as regras, mas as regras não me conhecem”.