"Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando". Clarice Lispector

sábado, 4 de dezembro de 2010

O inimigo agora é outro mesmo!

Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro (Tropa de Elite 2, BRA, 2010)

Dirigido por José Padilha, com roteiro de Bráulio Mantovani. Com: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Milhem Cortaz, Seu Jorge, Tainá Müller, André Mattos, Bruno D’Elia, Maria Ribeiro, Pedro Van Held, Sandro Rocha.


Permissão, Senhor leitor, para falar do tão comentado “Tropa de Elite 2”, filme que conta a jornada do agora, Coronel Nascimento, em sua luta contra os inimigos do BOPE – Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Diferentemente do primeiro filme, neste podemos ver melhor o sujeito Roberto Nascimento, não aquele policial que mata bandidos sem pestanejar, mas aquele que coloca em questão porque tem que fazer isso. Daí o motivo da pergunta de seu filho, ainda reverberando em sua mente: pai, porque sua profissão é matar? Embora ainda não tenha resposta para esta indagação, sua busca é incessante.

Do início ao fim, podemos observar questionamentos importantes a propósito da própria estrutura em que se assenta a polícia militar. Por exemplo, a questão da hierarquia. Sim, de certa forma, ela faz parte da vida. O problema não está na hierarquia, mas no abuso que se faz dela, justificando todo e qualquer tipo de perversidade em seu nome. Nesse quesito o Major Rocha é pródigo – policial militar acaba liderando milícias no bairro do Tanque, sonhando com uma expansão por toda a zona oeste.

Outra questão diz respeito a um dos pilares do militarismo: a disciplina. Na operação realizada em Bangu 2, o Capitão Matias (inferior hierárquico) fica inicialmente dividido entre obedecer às ordens de seu superior, o Coronel Nascimento, e o manual do BOPE, no qual aprendeu a agir de forma enérgica diante de situações como essa. O Capitão decide então seguir aquilo que aprendera no Batalhão e inicia um banho de sangue que lembra o massacre do “Carandiru”. Neste momento entra em cena o contraponto que faltava a Nascimento no primeiro filme, o deputado Fraga, ativista dos Direitos Humanos. Neste conflito, quem sai ganhando é o espectador que, ao contrário do Capitão, deve se colocar a pensar.

A consequência de tal ato é a perda do comando do BOPE para Nascimento. Mas como ele mesmo afirma, quando cai, ele cai pra cima: é promovido a Subsecretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Sua frustração ao se dar conta de que esta Secretaria na verdade não se presta ao papel de assegurar a proteção dos cidadãos é comovente. Esta cena é emblemática da complexidade da questão da violência. A partir daí, Nascimento começa a perceber que o buraco é bem mais embaixo. Até então ele idealizava o aparato de segurança, como foi apresentado no Tropa 1, onde havia declaradamente dois lados: o bem, representado pela polícia, e o mal, representado pelos traficantes. Agora, torna-se capaz de perceber que entre os dois extremos há muitas nuances que não podem deixar de ser levadas em conta. Nomeia isto como “o sistema”. Seu questionamento chega ao ápice de afirmar que a PM do Rio tem que acabar. De alguma forma, após tal situação a PM morreu simbolicamente para Nascimento.

Nestes dias de terror ao vivo no Rio de Janeiro o que mais me impactou não foram as cenas exibidas na mídia, com todos seus maniqueístas excessos e seu poder voyeur de capturar as pessoas, mas uma que pude presenciar: vi uma senhora que trabalha em um centro cultural, ao ver pela TV o criminoso Zeu ser preso, gritando histericamente: “mata, mata esse desgraçado!” Será que não era o caso de se parar um pouco e se colocar em questão como o fez Nascimento? Permissão para me retirar...